Originalmente publicado em arquiteturaemnotas.com
O Serviço Nacional de Informações (SNI) foi uma entre muitas estruturas de vigilância e repressão criadas pela ditadura civil-militar de 1964–1985 para atuar contra o “inimigo interno” do regime. Recentemente, em função das várias iniciativas nas redes sociais em memória dos 60 anos do golpe de 1º de abril de 1964, começaram a circular imagens relacionadas e esta e outras entidades ligadas à ditadura. Nas imagens de documentos do SNI que eventualmente circularam nas redes, chama a atenção particularmente o desenho de seu símbolo e logotipo.
O SNI era antes de tudo um órgão de espionagem interna. Mais do que coletar informações sobre eventuais ameaças externas ao país, o principal alvo do SNI se encontrava nos potenciais “elementos subversivos” espalhados pelo tecido social brasileiro. Além de colaborar com os demais órgãos de repressão espionando e denunciando o dia-a-dia de cidadãos brasileiros em espaços de naturezas distintas (como escolas, universidades, sindicatos, organizações políticas, etc), o SNI ainda colaborou em abafar eventuais denúncias de corrupção e de abusos cometidos pelos militares no poder. Tratava-se, portanto, da burocracia do estado atuando para reduzir a transparência que se espera da própria burocracia e para reprimir e atacar quem quer que se posicionasse contra tais abusos.
atos falhos gráficos
Nesse sentido, o símbolo e logotipo do SNI me parecem particularmente significativos. À primeira vista, trata-se simplesmente de uma marca produzida no embalo da ainda recente inauguração de Brasília e de todo o clima ufanista que a acompanhou, já que o desenho apresenta evidente referência à colunata do Palácio da Alvorada.
Pode-se argumentar se tratar de uma referência estranha, ou no mínimo curiosa, dado que logo que se instalou o regime militar fez-se de tudo para impedir o retorno ao poder de Juscelino Kubtischek — figura indelevelmente associada à construção da cidade e sistematicamente perseguida pela ditadura. Ainda que a figura de JK fosse desprezada pelos militares de 64, a relação das Forças Armadas com a construção da cidade e o projeto e interiorização do país talvez seja mais nuançada: são inúmeros os artigos na revista Brasília, por exemplo, de autoridades militares posicionando-se em favor da transferência da capital. Trata-se, afinal, de uma pauta presente com força logo na primeira Constituição Republicana, resultado de um processo originado também de um golpe de estado militar.
A referência à nova capital, portanto, não é estranha, mas sugere algumas possíveis leituras mais interessantes — quem sabe relacionadas a atos falhos presentes no próprio desenho da marca?
Em primeiro lugar, parece que a sigla “SNI” está entranhada no interior do Palácio, como um agente disciplinado fazendo seu trabalho no interior do poder — é quase como se o SNI estivesse controlando e vigiando o país direto da residência da Presidência da República. Por trás dos traços modernos de Niemeyer encontra-se, portanto, algo de podre e violento. A sequência de colunas ainda lembra levemente as grades de uma prisão.
Mais do que isso, tem ainda algo de cartunesco nessa composição. Invertendo um pouco a relação de figura–fundo, as arcadas parecem antes dentes cerrados que propriamente vãos de colunas — é, afinal, a ira doentia e agressiva dos agentes da repressão em sua expressão mais fiel.
Não faço ideia de quem tenha sido o autor desse desenho, mas quem quer que seja, independente de seu provável espírito ufanista e alinhado ao regime, trata-se de alguém cujo subconsciente parece ter feito emergir neste símbolo, mesmo que de forma sutil e involuntária, o que haveria de mais pútrido, condenável e mórbido no regime que se instalava em 1964 e que durante os próximos 21 anos seria responsável por destruir este país.